Labor news

2018-03-20 - Análise química de solo, Análise de tecido foliar, Análise física do solo

Olhar as plantas, com outro viés, por Odo Primavesi

"Uma planta bem nutrida, em ambiente equilibrado, tolera com eficiência as doenças e pragas. Este é um conceito milenar."

Odo Primavesi é Doutor em Solos e Nutrição de Plantas Esalq.

"Ao ler a Agro DBO nº 88, o Brasil enferruja (reportagem “Fora de controle”), mostrando a resistência aos fungicidas, confesso que fiquei um pouco aborrecido com o comportamento de todos os entrevistados. Leio na mesma Agro DBO em seu nº 87, relatos de como deveriam ser manejadas adequadamente as lavouras de qualquer cultivo, e parece que os interessados não as leem. Verifica-se que a importância maior, na opinião deles, é do fungicida (no caso da ferrugem da soja), e o estado nutricional da planta não conta, não vale nada! Não se afirma que indivíduo bem nutrido resiste (ou tolera) mais às doenças? E que num individuo fraco, desnutrido, o tratamento pode terminar de matá-lo? É assim que os produtores rurais e as empresas que dão assistência técnica ou de venda de insumos como fungicidas desejam manter seus lucros de forma sustentável?

É um erro fatal vender tecnologias definitivas, que dispensam todas as outras práticas agrícolas (de conservação de solo e de água, de atenuação de temperatura, de fortalecimento radicular, de nutrição de sementes, de diversificação de material orgânico e outros), como o caso dos genótipos inoxidáveis, e as moléculas químicas definitivas. Acredito que cabe uma parcela maior dos problemas que acontecem àqueles que fornecem os insumos aos produtores, e que focam só em seu produto, olvidando ou denegrindo o resto. Em minha vida profissional, lá no final dos anos 1970, um pesquisador- extensionista da Universidade de Pelotas(RS) tinha verificado que a assistência técnica mais agressiva e efetiva era das empresas comerciais (e não das universidades, e muito menos dos extensionistas treinados e capacitados para uma visão mais integrada do sistema de produção), pois regavam seus dias de campo e palestras técnicas com cervejadas e churrascadas, e assim marcavam, direcionavam psicologicamente a mente dos produtores. Atuando para a Basf, naquela época, lembro-me que havia conseguido mostrar à gerência de vendas que era preciso cuidar das plantas, de suas raízes, e do solo, para que os agroquímicos tivessem sua maior eficiência. Certamente me questionaram se essa maior eficiência não significava menor necessidade de uso (menores vendas e atraso no cumprimento de metas), mas retruquei que a lavoura iria ter sucesso, e o produtor expandiria o uso para outras áreas e recomendaria a outros, compensando as perdas de venda. De que adianta vender (ganhar) o máximo em pequenos períodos e depois não ter para quem vender, pois o produtor estaria quebrado, a lavoura dele foi para o brejo, a tecnologia foi queimada infantilmente, levianamente. Na época, em minhas incursões de desenvolvimento de produto, chegava a fazer três palestras por dia (manhã, tarde e noite), com 15 minutos sobre o produto alvo e 60 minutos sobre o manejo adequado (ecológico) do solo e das raízes (tudo para o agricultor poder tirar o máximo proveito do insumo aplicado). Era época em que o plantio direto na palha estava se desenvolvendo. Mais tarde, vi com satisfação a Monsanto fazer trabalhos com rotação de culturas e recomendar aos agricultores para que o pacote tecnológico vendido funcionasse bem, com certeza e satisfação para todos.

As práticas mínimas fundamentais para as lavouras terem sucesso são muito simples. Simples para serem incluídas nos dias de campo, na assistência direta aos produtores. A reportagem “Fora de controle” mostra o cúmulo de como nossa agricultura é conduzida, de maneira geral (não só de soja): imediatismo de ganhos e insumos definitivos. Não adianta dizer que isso seja meia verdade, quando na página 31 se lê atentamente para o Manejo Consciente (o futuro da soja em nossas mãos). O máximo que se faz é a recomendação racional de moléculas químicas com seus protetores e acompanhantes multissítios (Forcelini, “Afinal como deve ser o Manejo…”). Hoje em dia foca- -se só no aspecto clima-patógeno- planta vitima. Não se fala na planta que sabe se defender, que tem seus sistemas de defesa que necessitam ser ativados, ou reduzir os desequilíbrios nutricionais que resultam em sopões nutritivos para os patógenos.

Onde está a recomendação para o manejo biológico do solo (destacado por Fernando Andreote, em “O coração do solo”, na Agro DBO nº 88), em que a rotação de culturas (não sucessão de mesmas espécies) para fornecer o suficiente de matéria orgânica diversificada ao solo e sobre o solo, e à sua biota? Isso tudo para se obter um solo permeável, protegido, apto a captar e armazenar água pluvial de forma disponível, para fazer os nutrientes funcionar?

Onde está a preocupação com o sistema radicular vigoroso, profundo, sadio das plantas e que são seus intestinos (a rizosfera seria o estômago), que absorvem a vital água, os nutrientes essenciais, o oxigênio como a série “Síndrome das raízes atrofiadas”, do Yamada, procura alertar; e os resultados de maior produtividade da soja do Cesb que mostram vigoroso sistema radicular das lavouras campeãs, e nas quais, apesar disso, mesmo havendo ferrugem, ela não trazia dano econômico? Onde está a recomendação para a nutrição adequada da planta, para estar bem nutrida (não exuberantemente nutrida com N, sem o correspondente em K, Ca, Mg, S, B, e mesmo níquel, como foi citado na Síndrome das raízes atrofiadas III (p.40, Agro DBO nº 87). Certamente a Circular Técnica do Cesb – Comitê Estratégico Soja Brasil (com resumo em Agro DBO nº 88 p.27) procura dar essa visão mais ampla e integrada para um manejo adequado e sustentável da lavoura de soja. Mas quem tem tempo de ler? Quem vai difundir junto aos produtores (o ideal seriam as empresas de venda de insumos)?

Para finalizar, cito dois casos de ferrugem (trigo e café), cuja estratégia de controle não é diferente do que é feito na soja. No final dos anos 1970, visitei uma lavoura de trigo no MS. Estava amarela! Ferrugem! Do colmo, da folha e da arista. Completo! Mas havia uma ilha verde de trigo, mais alta, se destacando. Era trigo sem ferrugem, vegetando sobre área onde havia sido trilhada a soja, e a palhada incorporada ao solo (não havia plantio direto). No trigo amarelo as raízes eram curtas e escassas. A terra seca e dura (ainda não haviam desenvolvido cultivares que produzem sobre pedra ou solo- -pedra). No trigo verde (mesma data de plantio e uso de insumos), as raízes eram abundantes, e o solo úmido e fresco.

Numa lavoura de café em MG vi plantas verdes de café entre plantas amareladas de ferrugem. Dizia-se que só de ouvir falar em ferrugem as plantas derrubavam as folhas. O que havia acontecido? As plantas amareladas estavam em ano de produção e com esgotamento nutricional (teor e proporção de N:K inadequados). As verdes estavam no ano de descanso, com folhas equilibradamente nutridas. As folhas verdes encostavam, roçavam nas amarelas cheias de ferrugem, mas não pegavam ferrugem. Entenderam? E vi cafezais bem nutridos, em MG e SP, em que apareciam algumas pústulas de ferrugem, mas mesmo usando de força não se conseguia arrancar a folha. Ela simplesmente partia perto dos dedos. Nada de querer derrubar as folhas!

O que eu quero dizer com isso? Que os grupos que estudam (e produzem/vendem) fungicidas (e outras moléculas químicas) e seu manejo se aliem aos que manejam solos, raízes e nutrição de plantas para gerarem e fornecerem aos produtores recomendações profissionais de manejo ecológico da lavoura de soja, para se garantir lucros para todos, por longos anos."

A posição do Dr. Odo Primavesi corrobora o que a Laborsolo sempre pregou: o manejo adequado de solo e, principalmente, uma nutrição adequada das plantas garante um planta que resiste e/ou tolera muito mais as pragas e doenças. É para auxiliar neste trabalho que criamos o A2P (Agricultura de Alta Performance)! Um sistema de manejo que integra diagnóstico, manejo adequado do solo e equilíbrio nutricional das plantas a fim de garantir uma produção sustentável e rentável, proporcionando a preservação e fertilidade do solo e plantas robustas, que possam expressar todo o seu potencial produtivo com o mínimo impacto de pragas e doenças.

*Matéria originalmente publicada na edição 90 da Revista Agro DBO.