Labor news

2015-01-06 - Mercado Agrícola

Oração do Milho

O Milho vem sendo alvo de muitas notícias, seu preço em queda, as grandes quantidades em estoque no país, o que tem feito com que ele deixe de ser a primeira opção para muitos produtores, que optam hoje pela soja como cultivo principal, deixando o milho apenas para a 'safrinha', ora nem para a safrinha. Um grão que já teve grande importância para o país e que nos Estados Unidos é alvo de muita discussão, já que dele é produzido o etanol americano. Abrimos o artigo de hoje falando de sua importância pois iremos trazer uma linda oração do milho, obra de Cora Coralina.

Cora Coralina, que nasceu Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas em Goiás, estudou pouco, apenas os primeiros anos do ensino fundamental, começou a escrever cedo, mas deixou a escrita de lado para viver com seu marido em São Paulo. Já viúva, voltou para Goiás, onde, entre as panelas de doce e o fogão, começou a escrever novamente sobre suas raízes. Somente aos 76 anos teve seu primeiro livro publicado "Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais" onde entre outros traz o Poema do Milho, que tem sua introdução com a bela Oração do Milho, que reproduzimos a seguir.

Oração do Milho Senhor, nada valho. Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres. Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada. Ponho folhas e haste e se me ajudares, Senhor, mesmo planta de acaso e solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou. Sou planta primária da lavoura. Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo e de mim não se faz o pão alvo universal. O Justo não me consagrou Pão de Vida, nem lugar me foi dado nos altares. Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham na terra, onde não vinga o trigo nobre. Sou de origem obscura e de ascendência pobre, alimento de rústicos e de animais de jugo. Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques coroados de rosas e de espigas, quando os hebreus iam em longas caravanas buscar na terra do Egito o trigo dos faraós, quando Rute respigava cantando nas searas de Booz e Jesus abençoava os trigais maduros, eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias. Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito. Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante. Sou a farinha econômica do proletário. Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha. Alimento de porcos e do triste mu de carga. O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro. Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis. Sou o cocho abastecido donde rumina o gado. Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece. Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta de seus ninhos. Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor, Que me fizestes necessário e humilde. Sou o milho.” (Cora Coralina, Oração do Milho em Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, Global Editora, São Paulo 1985, pp. 163-164)